Ele sentou na areia molhada e desconfortável. Acendeu um cigarro. Ele não arrumou a areia embaixo da bunda pra se sentar melhor. Ficou lá daquele jeito, todo torto. Acendeu outro cigarro. O mar estava calmo, a maré estava baixando. Depois de algumas horas, a noite foi chegando e com ela, o frio. O homem continuou lá sentado esperando que o mar ficasse mais quente e que a areia embaixo da bunda dele se ajustasse pra que ele ficasse mais confortável. Mais um cigarro ele acendeu.
O dia nasceu. O homem acordou todo torto e dolorido. O nariz roxo de tanto frio. Ele acendeu um cigarro. A maré começou a subir novamente. O homem rezou muito pra que não fosse levado pro mar. Rezou pra que a areia elevasse seu corpo e a água não o afogasse. O homem rezou. E acendeu mais um cigarro.
Um jovem com uma prancha de surf passou correndo em direção ao mar. Alguns passos depois do homem o jovem se virou e perguntou:
- O senhor precisa de ajuda? A maré vai subir e o senhor pode se afogar!
O homem ficou muito bravo com o comentário do rapaz mas ainda assim foi educado.
- Não, obrigado. Eu sei como eu cheguei aqui. Não há nada que eu possa fazer. - e acendeu outro cigarro.
- Eu posso ajudá-lo! Dê-me sua mão. - o jovem respondeu indignado.
- Obrigado. Eu não preciso da sua ajuda. Não há nada pra se fazer. Não nada que eu possa fazer.
O jovem então decidiu chamar um profissional pra retirar o homem daquela situação. O homem recusou qualquer ajuda e continuou afirmando que nada mudaria. Ali era o seu lugar. Ele acendeu outro cigarro.
Seus filhos, esposa, irmãos e amigos vieram pedir que o homem se levantasse. Todos choravam implorando que homem aceitasse uma mão.
- Não! Já estou aqui há horas. Não há nada que ninguém possa fazer. Eu não preciso mudar.
Ele acendeu outro cigarro.
A maré começou a subir cada vez mais rápido.
Os familiares e amigos choravam juntos. Eles não acreditavam no que o homem estava fazendo. Eles queriam ajudar, sentiam falta de seu pai, marido, amigo, irmão e tinham medo que o caminho estivesse ficando irreversível.
O homem acendeu mais um cigarro.
Os filhos do homem decidiram ir pra casa.
- Ele não nos ama. Ele não quer viver e nos ver crescer. Por que, Deus? De onde vem tanta amargura? Por que ele não pode cuidar disso?
Depois foram seus irmãos.
- Meu irmão! Por favor aceite nossa ajuda. Não podemos ficar aqui pra sempre. Temos nossas famílias pra cuidar. Venha agora ou...
O homem acendeu outro cigarro. Começou a ficar muito irritado. Mandou todo mundo pro inferno.
A esposa se aproximou do marido e sussurrou:
- Fique se é isto que quer. Mas não vai arrastar ninguém com você. Eu mereço ser feliz ao invés de ficar com uma pessoa miserável como você.
O homem assoprou a fumaça na cara da esposa e apagou o cigarro na mão dela que acariciava seu ombro.
Ela gritou, correu e se juntou aos outros.
O homem acendeu outro cigarro e gritou:
- Por que não me deixam em paz? Vejam os outros! Eles se afogaram também. Ficou tudo bem! Isso é normal!
A família do homem olhou ao redor pela praia e viu os outros corpos todos lá deitados. Muitos sozinhos, alguns rodeados por familiares que não tinham força pra seguir suas vidas e se deixaram levar pelo doente.
Eles foram embora.
O homem nunca aceitou a ajuda, o jovem surfista nunca mais voltou àquela praia. A família e os amigos daquele homem seguiram suas vidas certos de que o presente não precisava ser determinado pelo passado e que tinham uma opção. Sempre poderiam fazer uma escolha. E acima de tudo, que independente da escolha feita, há conseqüências boas ou ruins mas que o mais importante era honrar as próprias escolhas e fazê-las por si mesmo, não pelo outro.
De cima, o homem viu sua família seguir em frente. Seus filhos crescerem e formarem suas próprias famílias. Viu a esposa casar-se novamente e ser muito feliz. Viu os amigos fazerem novos amigos. Ele viu também o quanto eles o amavam, e o quanto sua decisão de não levantar-se afetou seus amados.
E pra sempre ele se perguntava: "E eu? Já esqueceram de mim?" e continuou acendendo todos os cigarros.